Artigo

Pe. Rogério Guimarães

QUANDO AS TREVAS ADENSAM

Por Pe. Rogério Guimarães

 

D. Trump venceu as eleições presidenciais nos Estados Unidos. Uma pena! Vivemos a era do fechamento ao diferente, a era da construção de muros, pois não sabemos como lidar com a maravilha da pluralidade humana.

 

O outro é visto como oponente ameaçador (sintomaticamente, esse outro ameaçador são os pobres, os exilados, os migrantes, negros, minorias). Thomas Hobbes é ecoado com sua máxima: "o homem é o lobo do homem". Discursos de ódio e de exclusão - como os de Trump e os das versões mal-copiadas brasileiras - vão ganhando terreno novamente num mundo plural. Memórias importantes começam a ser deixadas de lado, como o sofrimento da primeira e segunda guerras mundiais, a ditadura militar no Brasil, etc. É frustrante dar-se conta de que inúmeros jovens e adultos jovens bradam pela volta dos militares ao poder, ou apoiam políticos sociopatas por causa de suas retóricas fajutas com as quais apresentam-se a si mesmos como símbolos da ordem e da lei.

 

Sim, isso em pleno Século XXI.

 

O teólogo Roger Haight deu uma entrevista ao IHU-Online, tratando da temática da intolerância. Dentre as perguntas, uma visou ao porquê da intolerância em plena sociedade dita “iluminada” (Iluminismo). Sua resposta: “O chamado Iluminismo foi um fenômeno ocidental, e não se pode presumir que cada cultura ou sociedade teve o seu próprio período de profunda análise crítica das fontes de conhecimento e valor. (...). Assim, nem todos em uma cultura pós-iluminista no Ocidente são iluminados. Por exemplo, nos Estados Unidos — país fundado nos princípios do Iluminismo — cerca de 40% das pessoas, hoje, não acreditam na evolução. Para saber se uma sociedade é iluminada, deve-se levar em consideração a formação educacional em geral e muitos outros fatores. Assim como culturas baseadas na religião, muitas pessoas no primeiro mundo nunca passaram por um período de autocrítica salutar. O Iluminismo é um conceito social sobrevalorizado”.

 

Parece-me que perdemos o fio da meada. Experiências horríveis que jamais deveriam retornar à história humana, que as gerações passadas prometeram nunca mais fazer, inevitavelmente estão sendo desejadas e realizadas por essa nossa geração. A capacidade de autocrítica inerente a todo ser humano, a toda sociedade, a toda religião é substituída por discursos de ódio, de discriminação e pelo desejo incontrolável de varrer do mundo os pobres, não a pobreza; os migrantes, não as causas da migração. Não somente nossa geração não fez ou não faz “profunda crítica das [suas] fontes de conhecimento e valor” como perdeu a memória histórica e com ela, a esperança. As narrativas precisam ser contadas, o passado deve iluminar as escolhas do presente se quisermos caminhar para frente, se quisermos ter um futuro razoável.

 

Uma grande tarefa de reconstrução deve ser sustentada por todos os campos do saber. Todas as ciências, dentre elas a teologia, tem contributos experimentados pela história para edificar uma sociedade capaz de conviver, aprender e se alegrar com a pluralidade, como finaliza Roger Haigth em sua entrevista. A fé cristã tem grandes expoentes, que são o papa Francisco e as iniciativas de várias igrejas na construção da unidade. Essa grande luz não será ofuscada pelas trevas dos discursos de ódio e de discriminação na boca de padres, bispos, pastores e fiéis que, falsamente, em nome de Cristo e em defesa da “sã doutrina” [sic] sustentam tais atrocidades.

 

O teólogo Jürgen Moltmann diz que estamos na era do suicídio coletivo, na era da iminente possibilidade da extinção da vida. Com relação ao programa nuclear para fins bélicos, afirma que “o primeiro a disparar é o segundo a morrer”. E continua: “Essa situação configura um latente, mas presente programa suicida da humanidade, hoje esquecido e suprimido da consciência pública. No entanto, paira como um destino sombrio sobre a humanidade”(Ética da Esperança, Vozes, 2012, p. 62).

 

Sempre haverá esperança. Esta é um propulsor de futuro e, para a fé cristã, o futuro de Deus. A virtude da esperança nunca caminha sem memória, especialmente sem as memórias de sofrimento humano, porque faz nestas memórias a Memória do sofrimento de Deus e de Sua aflição, reveladas no Crucificado ressuscitado. E a Cruz que derruba muros se torna ponte: “Porque é ele a nossa paz, ele que de dois povos fez um só, destruindo o muro de inimizade que os separava, abolindo na própria carne a lei, os preceitos e as prescrições. Desse modo, ele queria fazer em si mesmo dos dois povos uma única humanidade nova pelo restabelecimento da paz, e reconciliá-los ambos com Deus, reunidos num só corpo pela virtude da cruz, aniquilando nela a inimizade” (Ef 2, 14-16).

 

É um longo caminho que se faz com choros e alegrias. É a convicção de que o Amor é um sinal escatológico, é revelação de Deus que, não obstante nossa falta de memória e perda de rumos, sempre se mantém fiel e refaz o caminho com sua criação em direção ao seu futuro de superação da morte pela Vida, da discriminação pela reconciliação, da divisão pela comunhão. Ali, no seu futuro, cessarão as aflições humanas e divinas. Ali, no Crucificado ressuscitado, inaugurou-se a bem-aventurança. Nele, todo fiel e ministros são desautorizados a discriminar os outros, pois Ele é um convite generoso e aberto a todos, um convite de saída de si para servir e se alegrar.

 

Mãos à obra!