Artigo

Pe. Rogério Guimarães

ANO DO LAICATO 3: OS LEIGOS NA MISSÃO DE SERVIÇO AO MUNDO DO POVO DE DEUS

Por Pe. Rogério Guimarães

 

Ao longo dos dois artigos anteriores, procuramos discorrer sobre a identidade e a missão do Leigo no seio da eclesiologia do Povo de Deus. O Concílio Vaticano II tirou o aspecto negativo da identidade do Leigo (não é clero, não é religioso) e fundamentou sua identidade na incorporação a Cristo pelo batismo e pertença ao povo de Deus. Agora nos dedicamos a descrever a missão do leigo em sua integração na missão de todo povo de Deus.

 

Deriva a missão do leigo da missão do clero, no sentido de que ele é o braço estendido do clero? O leigo só atua porque o clero não chega onde o leigo está? É a missão do leigo uma missão de suplência? Se bem entendida for a eclesiologia do povo de Deus, todas essas questões estão superadas, ainda que sejam afirmadas em alguns setores menos esclarecidos da Igreja. O leigo tem uma missão que brota de sua vocação batismal, fundamentado no chamado universal à santidade. “Os leigos não têm na Igreja uma missão secundária, menos ainda uma tarefa delegada pela hierarquia. Eles têm o imenso campo do mundo a evangelizar”[1].

 

A todo o povo de Deus compete servir! Não cabe a alguns o serviço externo e a outros o interno: todo o povo de Deus age na santificação do mundo e na glorificação da Trindade, ainda que nessa missão total cada qual exerce a mesma função no modo que lhe é próprio. A Igreja é entendida na diversidade de missões e funções que se ajudam mutuamente:

 

Essa missão enquanto diz respeito a todos os seus membros (AA 2) compete ao laicato não por delegação ou mandato da hierarquia, mas do “próprio Senhor”, por força de seu batismo e confirmação (AA 3; LG 33). Daqui se deriva “o direito e o dever do apostolado” próprio do laicato (AA 3). Esta afirmação significa que a missão profética dos leigos/as não está reduzida a repetir a hierarquia, mas que desempenham um papel que lhes é próprio. Esta capacidade fundamenta o texto conciliar no testemunho de vida, no sentido da fé (sensus fidei) e na graça da palavra (LG 35). Os dons do Espírito devem ser postos a serviço de todos, daí “o direito e o dever de exercê-los” (AA 3). O indicativo precede e funda o imperativo. De fato, a Igreja jamais poderia ser sal da terra sem a ação missionária do laicato (LG 33), sobretudo numa sociedade tão complexa como a atual (AA 1)[2].

 

Há que se entender que a Igreja não é uma realidade referenciada a si mesma, mas é servidora de Deus no mundo, servidora do mundo em Deus. Somente compreendendo o protagonismo de Cristo na missão da Igreja que se conseguirá superar os dualismos rançosos na identidade e missão da Igreja, dando espaço à comum e diferenciada participação no tríplice múnus de Cristo.

 

Nesse entendimento, Comblin afirma que a Igreja precisa caminhar progressivamente no seu entendimento de serviço ao mundo:

 

(...) em virtude da intenção de Jesus Cristo, em virtude do projeto do Pai, a Igreja não tem em si mesma sua razão de ser, e sua própria sobrevivência não é seu primeiro princípio. Só pode sobreviver, esvaziando-se de si mesma, renunciando a si mesma para servir aos homens[3].

 

A teologia do laicato trouxe à tona essa mais profunda identidade da missão de toda a Igreja entendida como povo de Deus: ela é serviço ao mundo, sacramento da salvação, na tensão do futuro bom vindouro. É peregrina no “já e ainda não”, e não triunfante. É cristocêntrica, e não eclesiocêntrica.

 

A salvação extrapola os limites cristãos, não obstante seja esse o serviço cristão ao mundo. O serviço do povo de Deus ao mundo consiste no anúncio da salvação e na vivência do Reino que está já e ainda não presente:

 

(...) A vocação e missão dos leigos, caracterizada pela identidade que apresentamos e fundamentada pelo conceito de Igreja-Povo de Deus que trouxemos a partir do Concílio, nunca será uma fuga do mundo, o que seria um desespero (...). É justamente o contrário, é na esperança, e por ser na esperança a ação dos leigos será um agir no mundo, junto a ele, já que se compreende que este mundo também é fruto do amor e é querido por Deus e também anseia a sua libertação, caminha e está destinado à salvação”[4].

 

Com esta citação apontamos a superação de um dualismo nocivo à Igreja, o dualismo Igreja-Mundo. A Igreja faz parte do mundo e exerce nele a missão de sacramento, sinal do Reino de Deus. A Igreja não é separada do mundo. Deus não separa um povo para si, mas o convoca para a missão. Na superação do dualismo Igreja-mundo se dá a superação do dualismo clero-leigo: não há membros mais importantes que outros. Aqui se dá o respeito à dignidade de todos os batizados. Todos estão em Cristo e Cristo está em todos.

 

Vemos florescer a passagem de um leigo passivo ouvinte para um ativo ouvinte e proclamador do Reino, ainda que se necessite urgentemente retomar esse trilhar eclesiológico reinaugurado pelo Concílio Vaticano II, por uma Igreja do protagonismo de Cristo, no Espírito que a move na atualização da missão de Cristo. O leigo ganha a partir do Concílio o direito de exercer a sua missão profética, sacerdotal e régia, como sujeito eclesial. Esse direito será plenamente vivido quando todo o povo de Deus ganhar maturidade, fazendo a passagem da relação de sujeito e objeto para relação de irmãos, de colaboradores.

 

Destacamos que cabe à totalidade do povo de Deus a missão de fecundar o mundo com o anúncio da salvação. Todos têm responsabilidade para com o testemunho da fé no mundo, testemunho entendido como serviço e escuta dos sinais dos tempos. Trata-se de se recuperar, na ação eclesial total, o real significado das palavras “aggiornamento” e “diálogo”.

 


[1] JOSAPHAT, C. Vaticano II: a Igreja aposta no amor universal. São Paulo: Paulinas, 2013, p. 84.

[2] MIRANDA, M. A Igreja como Povo de Deus. In: Revista de Cultura Teológica, Ano XXI, n. 81, Jan/Jun 2013, p. 42.

[3] COMBLIN, J. O tempo da ação. Petrópolis: Vozes, 1982, p. 17.

[4] KUZMA, C. A identidade dos leigos, 2015.