Artigo

Pe. Carlos Renato Carriço Gomes

FÉRIAS: TEMPO DE DESCANSAR EM DEUS

Por Pe. Carlos Renato Carriço Gomes

 

Estamos cotidianamente mergulhados no tempo e nele tomados de inúmeras tarefas que fazem-nos experimentar a graça do ser e do fazer, mas também o cansaço do dar de si mesmo. A experiência da corporalidade no ser humano que vive esse dia a dia indica-o que é também necessário renovar as forças através de um tempo de descanso, um tempo de férias.

           

A Sagrada Escritura aponta-nos Deus Pai (Gn 2,2-3; Ex 20,8-10; Lv 25, 2-5) como também Jesus (Mc 6, 30-31) orientando-nos àquela pausa restauradora que revigora corpo, alma e espírito. Isso nos indica que não há culpa alguma em “tirar férias”, mas  uma necessidade do nosso ser. Todavia “tirar férias” não significa de modo algum afastar-se de Deus deixando de rezar, de participar da missa ou celebração da palavra, de ir a acampamentos e retiros da Igreja, de ir a ambientes que ajudem a nossa vida cristã de fé e de ter comportamentos coerentes com nossos valores cristãos. Férias é tempo de descansar em Deus.

           

O que devo fazer para estar em Deus? O Catecismo da Igreja Católica, no número 27, afirma que “o desejo de Deus está inscrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus; e Deus não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar” e citando Sto. Agostinho no número 2560 diz que “a oração, quer saibamos ou não, é o encontro entre a sede de Deus e a nossa. Deus tem sede de que nós tenhamos sede dele”. Estes escritos nos colocam na necessidade da intimidade com Deus onde estivermos. Nossa conexão com Deus não pode cair por estamos de férias, mas devemos permanecer conectados a sua presença para que ele não nos deixe cair em tentação e nos livre de todo mal. É preciso ficarmos atentos e rezarmos a todo momento (Lc 21, 36). A oração organiza nossa vida interior bagunçada, põe em ordem nossos desejos. Férias é tempo de oração.

           

De onde deve brotar a oração que elevamos a Deus? A Sagrada Escritura nos diz que é o coração que reza. Diz o Catecismo da Igreja Católica no número 2563 que “o coração é onde moro, é o nosso centro escondido, é o lugar da decisão, é o lugar da verdade, é o lugar do encontro, é o lugar da Aliança”. Essas palavras acendem uma luz sobre a nossa vida cotidiana que nem sempre dá atenção a este centro vital que é o coração. Ele está dentro de nós, mas nós estamos longe dele, não o conhecemos profundamente. Nele habita Deus e precisamos escutá-lo para termos mais vida. Daí o silêncio na presença de Deus é importante, pois aprofunda nossa consciência de nós  mesmos e também de Deus. Férias é tempo de escutar mais profundamente o coração.

           

E como escutar o coração no barulho? A espiritualidade cristã, segundo Anselm Grun, no livro O Poder do Silêncio (pg. 9 e 10) nos aponta o caminho do calar que é renunciar as avaliações e opiniões e do silêncio exterior e interior como um estado que podemos vivenciar, reconhecendo que o silêncio existe diante de mim e independentemente de mim. Silenciar é ter a capacidade de dar a alma o respirar que ela necessita, é reencontrar-se consigo mesmo, é mergulhar na profundeza do ser humano e de tudo o que existe, é encontrar-se com o fundamento da alma que é Deus, é nos desconectarmos das redes sociais e darmos mais atenção aos nossos sentimentos. Em tempo de férias é preciso também proporcionar a nós tempo de silêncio, tempos de despertar a alma para a sensibilidade a Deus, ao mundo, ao outro e a nós mesmos, pela capacidade de acolher a dignidade de existir do outro e das coisas. Diz o Salmo 139(140), versículo 23: “Ó Deus, perscruta-me e conhece o meu coração; prova-me e conhece meus pensamentos”. É preciso conhecer o saber de Deus sobre nós, os planos Dele sobre a nossa vida. Férias é tempo de silenciar.

           

Podemos no silêncio nos abrir a contemplar a beleza de tudo o que existe? Nas férias, temos um tempo livre que nos perm     ite conhecer novos lugares e pessoas. E muitas vezes, na rapidez com que fazemos as coisas e na falta de contato com o nosso profundo, não nos damos conta da beleza que estamos vendo e vivendo. A grandeza e beleza do mar, o nascer e o por do sol, a diversidade de peixes, a realidade dos pescadores, a beleza das montanhas, o encanto dos pássaros, as águas das cachoeiras, o sabor de uma boa comida, a diversidade de jeitos de ser gente, a grandiosidade da Criação de Deus e de tudo o que existe em nossa Casa Comum disponível ao ser humano. Santo Inácio de Loyola para destacar essa profunda experiência de contemplação que devemos viver diz: “não é o muito saber que sacia a alma, mas o saborear as coisas internamente”. Férias é tempo de contemplar.

           

Podemos ser contemplativos na ação? Nas férias corremos o risco de por estarmos longe de nossos afazeres normais do dia a dia, nos acomodarmos fisicamente e espiritualmente. Podemos deixar de cuidar de nossa espiritualidade, não rezando, não indo a missa ou a celebração da palavra, relativizando o pecado, não buscando a confissão, não estabelecendo relações saudáveis com as pessoas e também podemos nos descuidar do corpo comendo de qualquer jeito, não fazendo exercícios físicos, não protegendo a pele do sol, não bebendo muita água. Cuidar da vida em todos os seus aspectos é também ser contemplativo e buscar a santidade, pois em 1Ts 4,3 diz “A vontade de Deus é esta: a vossa santificação”. E ser santo é cuidar de Deus em nós e de nós em Deus.  Férias é tempo de cuidar da saúde.

           

Então é possível viver a santidade nas férias? O Papa Francisco em sua Exortação Gaudete et Exultate, diz no número 14, que “todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra”. Estas palavras significam que a busca da santidade não nos dá férias, mas é uma tarefa constante em qualquer lugar que estejamos. Continua o Papa Francisco na Exortação Gaudete et Exultate, no número 26, que “não é saudável amar o silêncio e esquivar o encontro com o outro, desejar o repouso e rejeitar a atividade, buscar a oração e menosprezar o serviço. Tudo pode ser recebido e integrado como parte da própria vida neste mundo, entrando a fazer parte do caminho de santificação”. Férias é tempo de santidade.

          

Ao estarmos vivendo o tempo das férias, cuidando da oração pessoal e comunitária, escutando os anseios do coração, silenciando nosso corpo e alma, contemplando a natureza, dando atenção a nossa saúde e vivendo a santidade, devemos experimentá-lo com o pensamento que expressa, o apóstolo Paulo na Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 6, versículo 12, “Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém”. Esta frase deve ser uma regra de vida também para as férias, de modo que ela seja sempre um tempo de descansar em Deus.