Artigo

Wender Vinícius Carvalho de Oliveira

UNIDADE DOS CRISTÃOS: UM LUMINOSO CAMINHO DE CONVERSÃO, CRUZ E ORAÇÃO.

Por Wender Vinícius Carvalho de Oliveira

 

Dos lábios de Nosso Senhor Jesus Cristo recebemos aquele inconfundível mandato confiado a todo que n’Ele crê: ser luz do mundo. Tal ordem, muito frequentemente esquecida, precisa ser reconsiderada com toda a seriedade do dever que ela nos atribui enquanto batizados e batizadas, filhos do mesmo Pai. Essa necessidade se apresenta ainda mais urgente quando, deixando cair as escamas dos nossos olhos e, abrindo-os para contemplar os dias em que vivemos, nos deparamos com um espantoso caos, resultante da fissura da relação do homem com os seus irmãos e, acima de tudo, com o próprio Criador. Todos os cristãos - ainda que de diferentes confissões - recebemos, pela fé, uma única esperança e esta deve ser, neste contexto conturbado, sinal de salvação para os que não creem e caminho para a reconciliação do mundo com Deus.

 

Ora, é inegável que os tempos em que vivemos estão marcados pela desordem: o mal e o perverso são reputados como bem; o erro e a mentira honrados no lugar da verdade; a paz e a concórdia dão lugar aos conflitos e às guerras; o secularismo, o relativismo e a indiferença a Deus se propagam como um valor; a vida perde o viço e passa a ser descartável; o homem, criado livre para amar, prefere usar sua liberdade para tornar-se um escravo de si mesmo, na loucura de seus prazeres e ambições. Para usarmos a linguagem escriturística, os tempos em que vivemos são de penumbra ou mesmo de total escuridão. Existe, entretanto, uma desordem muito mais danosa, uma negrura ainda mais inexprimível que se passa no interior do homem, o pecado, que nos faz inimigos de Deus, ao passo que também nos afasta dos nossos irmãos, de modo que tudo aquilo não se passa de figura e herança deste mal maior.

 

Em meio a tantas trevas, só Nosso Senhor Jesus Cristo é a verdadeira luz, que, vindo ao mundo, resplandece nas trevas e ilumina todo homem. É Ele mesmo quem nos atesta isso, ao proclamar: “Eu sou a luz do mundo; aquele que me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida”. E nós, que antes éramos trevas, num excesso da misericórdia do Pai das luzes, fomos alcançados e iluminados por essa luz que é Cristo. Mais do que isso: fomos gerados por essa luz, de modo que, com o Apóstolo dos gentios, podemos exclamar: somos “filhos da luz e filhos do dia. Não somos da noite nem das trevas!”.

 

Ora, um só é o Cristo. “Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo. Há um só Deus e Pai de todos, que atua acima de todos, por todos e em todos”. Uma só, portanto, é a luz que brilha em todos quantos fomos batizados e professamos Cristo, com os lábios e com a vida, como Deus e Senhor. Não há mais de uma luz!

 

A comunhão visível dos cristãos, apesar disso, está ferida - embora a unidade da Igreja subsista intacta -, porque, não sem culpa nossa, temos irmãos separados em diversas profissões de fé e que não estão, assim, incorporados à Igreja Católica de Cristo, sacramento universal a quem fora confiada a plenitude dos meios de salvação. “Estes [irmãos separados] não gozam daquela unidade que Jesus quis prodigalizar a todos os que regenerou e convivificou num só corpo e numa vida nova e que a Sagrada Escritura e a venerável Tradição da Igreja professam”. “Diferenças teológicas foram acompanhadas por preconceitos e conflitos, e instrumentalizou-se a religião para fins políticos”. Esses obstáculos, entretanto, não podem impedir uma certa comunhão que há entre nós. Se uma só é a luz que nos gera, no Senhor, somos todos irmãos e irmãs. Na medida em que “andamos na luz, como ele [Deus] mesmo está na luz, temos comunhão recíproca uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu filho, nos purifica de todo pecado”. E não somente porque fomos gerados e caminhamos sob a mesma luz é que temos esta certa comunhão. Mais do que isso: o mistério da morte e ressurreição de Nosso Senhor nos dá uma mesma e fúlgida esperança: a participação - como irmãos que somos - na herança dos santos, na Jerusalém Celeste, onde não há noite nem escuridão.

 

Não obstante, o desejo de Cristo é claro: que todos sejam um! Numa feliz e esquecida síntese de São João Paulo II, “a conversão, a cruz e a oração, são essencialmente os elementos em que se baseia o movimento para reconstruir a unidade dos cristãos”. Refletindo sobre estes elementos é que gostaria de prosseguir essa reflexão.

 

Se quisermos avançar neste ecumenismo para a unidade, a primeira tarefa que temos a cumprir é a de nossa própria conversão, ou seja, deixar de caminhar como filhos das trevas, errantes pelas sendas da concupiscência, do mundo e de Satanás. Esta é a primeira tarefa porque “não há verdadeiro ecumenismo sem conversão interior. É que os anseios de unidade nascem e amadurecem a partir da renovação da mente, da abnegação de si mesmo e da libérrima efusão da caridade”.

 

Neste sentido, São João nos alerta em sua Epístola: “Se dizemos ter comunhão com ele, mas andamos nas trevas, mentimos e não seguimos a verdade”. Por isso, para uma sincera comunhão para a unidade, é preciso uma verdadeira e íntima conversão do coração, é preciso andar na luz. Que caia, então, em nossas vidas, um raio de Páscoa, que brota do coração do Ressuscitado, que como luz veio ao mundo. Feitos novas criaturas por esta luz, abandonemos as obras das trevas: “fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, superstição, inimizades, brigas, ciúmes, ódio, ambição, discórdias, partidos, invejas, bebedeiras, orgias e outras coisas semelhantes”. Ao mesmo tempo, é preciso que de nosso interior os raios de luz desta nova criação irradiem em “caridade, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperança”. Porque como nos asseguram as Escrituras, “todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura. Passou o que era velho; eis que tudo se fez novo!”.

 

Se podíamos, antes, ser chamados de trevas, agora, pela boca de Cristo, novo nome recebemos: luz! É Ele mesmo que nos diz: “Vós sois a luz do mundo”. Somos luz porque nascemos d’Ele, a luz verdadeira. E ser testemunhas da luz, como irmãos, apesar das diferenças de profissão religiosa, é, no meu sentir, um dos mais loquazes ecumenismos que podemos manifestar ao mundo hoje. E fazer isso, nesta época indiferente e adversa aos valores cristãos, é ser mártir por Cristo, é abraçar a cruz com Ele e com Ele morrer, para que o mundo, exortado por este martírio comum, se reconcilie com o Pai.

 

Somos, cada um de nós, batizados em Cristo, luz do mundo. A luz não existe para si, mas para a afugentar as trevas, espalhando o seu clarão. Portanto, é perante o mundo desordenado e inimigo de Deus que devemos fazer refulgir o lume que recebemos. É precisamente por isso que Nosso Senhor nos diz: “Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre uma montanha, nem se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire, mas sim para colocá-la sobre o candeeiro, a fim de que brilhe a todos os que estão em casa. Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus”. É para isso que fomos iluminados por Cristo!

 

Ser luz do mundo significa, para todos os cristãos ser testemunha de Nosso Senhor Jesus Cristo, a luz verdadeira, que veio ao mundo para, com o Seu Sangue e Ressurreição, nos resgatar do reino das trevas. Ser luz do mundo significa anunciar o Evangelho, com a palavra e com a vida, sem medo de denunciar, com coragem e com audácia, as obras das trevas. Ser luz do mundo significa fazer brilhar a Boa Nova na família, no trabalho, na cultura, nas artes, enfim, em toda a sociedade. Ser luz do mundo é acreditar, sobretudo, na luz de Cristo, nossa fé, vitória que vence o mundo.

 

Nesta missão, é preciso dar um testemunho comum ao mundo. Entre nós, católicos, ortodoxos e protestantes “há um conteúdo central da mensagem de Cristo que podemos anunciar juntos: a paternidade de Deus, a vitória de Cristo sobre o pecado e sobre a morte com a sua cruz e ressurreição, a confiança na ação transformadora do Espírito. Enquanto estamos a caminho rumo à plena comunhão, somos chamados a oferecer um testemunho comum face aos desafios cada vez mais complexos do nosso tempo, como a secularização e a indiferença, o relativismo e o hedonismo, os delicados temas éticos relativos ao princípio e ao fim da vida, os limites da ciência e da tecnologia, o diálogo com as outras tradições religiosas. Existem depois ulteriores âmbitos nos quais devemos desde já dar um testemunho comum: a salvaguarda da Criação, a promoção do bem comum e da paz, a defesa da centralidade da pessoa humana, o compromisso para pôr fim às misérias do nosso tempo, como a fome, a indigência, o analfabetismo, a desigualdade na distribuição dos bens”. Trata-se de uma comunhão no testemunho, de ser luz juntos, num mundo nebuloso, para que, como outrora, o povo que anda nas trevas veja brilhar o fulgor da luz de Cristo em nós que n’Ele cremos. Se a noite do mundo já vai adiantada, é hora de revestirmo-nos com as armas da luz - a bondade, a justiça e a verdade - e apressarmos a aurora de Cristo, o Sol da Justiça, que refulge no testemunho autêntico e audaz da fé que d’Ele recebemos.

 

Se por múltiplos dissensos, a unidade visível dos cristãos na Igreja de Cristo é apenas uma esperança, esforcemo-nos para que, ao menos, estejamos unidos neste testemunho comum, caminhando e confessando a Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado. Com o Papa Francisco, creio que é neste caminho de comunhão na defesa e no anúncio de Cristo e dos valores do Seu Reino que alcançaremos um autêntico ecumenismo, pois “a unidade dos cristãos – é nossa convicção – não será o fruto de sofisticadas discussões teóricas, onde cada um tenta convencer o outro da justeza das suas opiniões (...) Temos de reconhecer que, para se chegar à profundeza do mistério de Deus, precisamos uns dos outros, encontrando-nos e confrontando-nos sob a guia do Espírito Santo, que harmoniza as diversidades e supera os conflitos, reconcilia as diversidades”.

 

Trilhando este caminho comum de conversão e de cruz, avancemos pela oração. “No caminho ecumênico para a unidade, a primazia pertence, sem dúvida, à oração comum, à união orante daqueles que se congregam à volta do próprio Cristo. Se os cristãos, apesar das suas divisões, souberem unir-se cada vez mais em oração comum ao redor de Cristo, crescerá a sua consciência de como é reduzido o que os divide em comparação com aquilo que os une. Se se encontrarem sempre mais assiduamente diante de Cristo na oração, os cristãos poderão ganhar coragem para enfrentar toda a dolorosa realidade humana das divisões, e reencontrar-se-ão juntos naquela comunidade da Igreja, que Cristo forma incessantemente no Espírito Santo, apesar de todas as debilidades e limitações humanas”.

 

Sabemos que a “unidade é antes de tudo um dom de Deus, uma obra do Espírito Santo”. É Ele quem nos dá a força para testemunharmos a Cristo Jesus até os confins do mundo. Assim, invocando o Divino Paráclito é que devemos caminhar para a verdadeira concórdia e unidade.

 

Neste sentido, a prática das Semanas de Oração pela Unidade dos Cristãos cumpre um papel importante, mas que não deve ser exclusivo. Como nos convida o Papa Francisco, sempre “devemos rezar entre nós, católicos, e também com os outros cristãos; orar para que o Senhor nos conceda a unidade, a unidade entre nós”. Uma unidade que “não consiste simplesmente na confluência unitária de pessoas que se aglomeram umas às outras. Mas (trata-se) de uma unidade constituída pelos vínculos da profissão de fé, dos sacramentos e da comunhão hierárquica”.

 

Em suma, como filhos e filhas de uma mesma luz, Cristo Jesus, que, vindo ao mundo, nos redimiu com Sua morte e ressurreição, e nos fez luzeiros nesta terra, caminhemos nas trilhas da conversão, da cruz e da oração, para que a Sua luz brilhe com mais fulgor e dissipe as trevas do mundo. É assim que, ao mesmo tempo, daremos um testemunho mais credível ao mundo do nome de Cristo e cresceremos na comunhão e unidade, como filhos de um mesmo Pai.