Artigo
Pe. Thomas Reese
A Alegria do Amor
Por Pe. Thomas Reese
O artigo é de Thomas Reese, jesuíta, jornalista, publicado por National Catholic Reporter, 08-04-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
[ ... ] O Capítulo IV é uma obra-prima.
Ele deveria ser lido por todos aqueles que planejam se casar e por todos aqueles que já estejam casados, independentemente de quanto tempo já passou. Tomara que alguma editora venha a publicar este capítulo em separado para as aulas preparatórias ao matrimônio e aconselhamento, bem como para cursos de ensino médio e superior. Eu já participei de uma discussão sobre este capítulo com um velho jesuíta, muito sábio, que opinou: "O que sabe ele sobre a vida de casado?" Embora o meu companheiro jesuíta não tinha lido ainda o capítulo em questão, ele refletiu as inúmeras pessoas que já se cansaram de ouvir homens celibatários falarem sobre o assunto da vida de casado. Portanto, vocês casados, leiam o capítulo e nos digam o que acham dele. Enquanto isso, aqui eu descrevo o que está contido aí.
O capítulo intitula-se "O Amor no Matrimônio". Começa com uma meditação maravilhosa sobre a passagem lírica de São Paulo sobre o amor: 1 Cor 13, 2-3. Ele cita Martin Luther King e refere o filme "A festa de Babette". O texto toma o hino de Paulo como uma preparação para discutir o amor conjugal. "Depois do amor que nos une a Deus, o amor conjugal é a 'amizade meior", diz ele, citando São Tomás de Aquino.
[ ... ] O Capítulo V trata dos filhos na família. Para o Papa Francisco, esse capítulo e o capítulo anterior são os "os dois capítulos centrais, dedicados ao amor". No amor dos pais pelos filhos, Francisco vê "o primado do amor de Deus que sempre toma a iniciativa", isso porque os filhos "são amados antes de ter feito algo para o merecer". Ele afirma que "as famílias numerosas são uma alegria para a Igreja", mas concorda com João Paulo 11 em que a paternidade responsável não é "procriação ilimitada ou falta de consciência acerca daquilo que é necessário para o crescimento dos filhos; mas é, antes, a faculdade que os cônjuges têm de usar a sua liberdade inviolável de modo sábio e responsável, tendo em consideração tanto as realidades sociais e demográficas, como a sua própria situação e os seus legítimos desejos". No capítulo, ele fala da gravidez, e eu aqui deixo para as mães dizerem se ele acertou ou não, porém claro está que ele quer que a gravidez seja uma experiência alegre para elas. O papa afirma a necessidade e o direito de um filho a ter o amor de uma mãe e um pai. Não somente como indivíduo, mas "juntos que eles ensinam o valor da reciprocidade, do encontro entre seres diferentes, onde cada um contribui com a sua própria identidade e sabe também receber do outro". Segundo ele, "se, por alguma razão inevitável, falta um dos dois, é importante procurar alguma maneira de o compensar, para favorecer o adequado amadurecimento do filho".
Apesar da ênfase na necessidade dos dois pais, no capítulo seguinte o papa insiste que "o progenitor que vive com a criança deve encontrar apoio e conforto nas outras famílias que formam a comunidade cristã, bem como nos organismos pastorais paroquiais". Ele observa que "estas famílias são muitas vezes afligidas pela gravidade dos problemas econômicos, pela incerteza dum trabalho precário, pela dificuldade de manter os filhos, pela falta duma casa". O Papa Francisco insiste na existência de um papel especial para a mulher na família. Apesar de ser "legítimo, e até desejável, que as mulheres queiram estudar, trabalhar, desenvolver as suas capacidades e ter objetivos pessoais", ele afirma que "não podemos ignorar a necessidade que as crianças têm da presença materna, especialmente nos primeiros meses de vida". Pergunto-me o quanto estas opiniões foram influenciadas pelo fato de que a sua própria mãe o deixava com a sua avó durante do dia, quando as coisas ficaram mais difíceis na casa com a chegada de um outro irmão.
[ ... ] "Por sua vez, a figura do pai ajuda a perceber os limites da realidade, caracterizando-se mais pela orientação, pela saída para o mundo mais amplo e rico de desafios, pelo convite a esforçarse e lutar. Um pai com uma clara e feliz identidade masculina, que por sua vez combine no seu trato com a esposa o carinho e o acolhimento, é tão necessário como os cukiedos maternos. [ ... ] Conclui que "o problema nos nossos dias não parece ser tanto a presença invasora do pai, mas sim a sua ausência, o fato de não estar presente".
[ ... ] o Capítulo VI reflete sobre "alguns dos principais desafios pastorais". Ele é endereçado aos bispos, sacerdotes e líderes pastorais. Ele evita uma especificidade detalhada porque "as diferentes comunidades é que deverão elaborar propostas mais práticas e eficazes, que tenham em conta tanto a doutrina da Igreja como as necessidades e desafios locais". O papa fala da importância de proclamar o Evangelho da família, preparar os cônjuges para o matrimônio, formar líderes leigos, apoiar e acompanhar os casais na continuidade de suas vidas em união e quando passam por crises, incluindo o rompimento, o divórcio ou a morte.
[ ... ] O Capítulo VII trata da educação dos filhos, o que os pais deveriam realizar "de modo consciente, entusiasta, razoável e apropriado". Ele insta igualmente vigilância, mas não a obsessão. "O que interessa acima de tudo é gerar no filho, com muito amor, processos de amadurecimento da sua liberdade, de preparação, de crescimento integral, de cultivo da autêntica autonomia". Ressalta a formação ética e religiosa dos filhos. [ ... ] Ele igualmente ecoa o chamado do Vaticano II por uma "educação sexual positiva e prudente". Reconhece que "é difícil pensar na educação sexual num tempo em que se tende a banalizar e empobrecer a sexualidade". Argumenta que "só se poderia entender no contexto duma educação para o amor, para a doação mútua". Ele não está feliz com a educação sexual que se centra no "sexo seguro".
O Capítulo VIII [ ... ]. Provavelmente ele é a melhor discussão sobre a consciência e o pecado que vi publicada pelo Vaticano. Este capítulo merece um tratamento muito mais aprofundado do que posso dar aqui. Ele começa citando os Padres Sinodais que disseram que, embora a ruptura do vínculo matrimonial "é contra a vontade de Deus", mesmo assim a Igreja "dirigese com amor àqueles que participam na sua vida de modo incompleto, reconhe- cendo que a graça de Deus nas suas vidas, dando-Ihes a coragem para fazer o bem, cuidar com amor um do outro e estar ao serviço da comunidade onde vivem e trabalham". Em tais casos, "poderão ser valorizados aqueles sinais de amor que refletem de algum modo o amor de Deus".
[ ... ] Ao citar o Sínodo dos Bispos, ele diz haver uma necessidade de "evitar juízos que não tenham em conta a complexidade das difernetes situações" e que "é preciso estar atentos ao modo como as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição". Por meio do diálogo e do discernimento, a Igreja ajuda aqueles em situações irregulares a compreender a "a pedagogia divina da graça nas suas vidas". Ele faz observar que as situações desses casais podem ser muito diferentes e não deveriam ser catalogadas em classificações rígidas. "Uma coisa é uma segunda união consolidada no tempo, com novos filhos, com fidelidade comprovada, dedicação generosa, compromisso cristão, consciência da irregularidade da sua situação e grande dificuldade para voltar atrás sem sentir, em consciência, que se cairia em novas culpas. A Igreja reconhece a existência de situações em que 'o homem e a mulher, por motivos sérios - como, por exemplo, a educação dos filhos - não se podem separar. Há também o caso daqueles que fizeram grandes esforços para salvar o primeiro matrimônio e sofreram um abandono injusto, ou o caso daqueles que 'contraíram uma segunda união em vista da educação dos filhos, e, às vezes, estão subjetivamente certos em consciência de que o precedente matrimónio, irremediavelmente destruído, nunca tinha sido válido'" (citações de João Paulo II). Em seguida estão os divórcios recentes, "ou a situação de alguém que faltou repetidamente aos seus compromissos familiares".
Todos estes exigem um discernimento cuidadoso. Não há "receitas simples", dizele citando o Papa Bento XVI. Consequentemente, "é compreensível que se não devia esperar do Sínodo ou desta Exortação uma nova normativa geral de tipo canônico, aplicável a todos os casos". É possível apenas um novo encorajamento a um responsável discernimento pessoal e pastoral dos casos particulares, que deveria reconhecer: uma vez que [conforme disse o Sínodo] 'o grau de responsabilidade não é igual em todos os casos', as consequências ou efeitos duma norma não devem necessariamente ser sempre os mesmos". De novo, citando o Sínodo, ele concorda que "os batizados que se divorciaram e voltaram a casar civilmente devem ser mais integrados na comunidade cristã sob as diferentes formas possíveis, evitando toda a ocasião de escândalo". Os divorciados e recasados deveriam se perguntar: "{. . .} como ele se comportaram com os seus filhos, quando a união conjugal entrou em crise; se houve tentativas de reconciliação; como é a situação do cônjuge abandonado; que consequências têm a nova relação sobre o resto da família e a comunidade dos fiéis; que exemplo oferece ela aos jovens que se devem preparar para o matrimônio".
Um tal discernimento, segundo os Padres Sinodais, exige "humildade, privacidade, amor à Igreja e à sua doutrina, na busca sincera da vontade de Deus e no desejo de chegar a uma resposta mais perfeita à mesma". Isso é bem diferente da "ideia de que algum sacerdote pode conceder rapidamente 'exceções', ou de que há pessoas que podem obter privilégios sacramentais em troca de favores", escre- ve Francisco. Ele então apresenta uma seção sobre as circunstâncias que podem atenuar a responsabilidade moral, a qual deveria ser considerada em um tal discernimento.
"Já não é possível dizer que todos os que estão numa situação chamada 'irregular' vivem em estado de pecado mortal, privados da graça santificante", escreve ele. Francisco concorda com o Sínodo: "mesmo defendendo uma norma geral a ser seguida, é necessário reconhecer que a responsabilidade com respeito a determinadas ações ou decisões não é a mesma em todos os casos". Para o Papa Francisco "é possível que uma pessoa, no meio duma situação objetiva de pecado (uma segunda união, por exemplo) - mas subjetivamente não seja culpável ou não o seja plenamente -, possa viver em graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de graça e de caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja". Em nota de rodapé (351), ele afirma que "em certos casos, poderia haver também a ajuda dos sacramentos". Menciona tanto a Confissão como a Eucaristia, que "não [são] um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos".
O pontífice entende que alguns querem uma abordagem mais rigorosa, sem lugar para confusão. "Mas creio sinceramente que Jesus Cristo quer uma Igreja atenta ao bem que o Espírito derrama no meio da fragilidade: uma Mãe que, ao mesmo tempo que expressa claramente a sua doutrina objetiva, 'não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada"'. "Os pastores, que propõem aos fiéis o ideal pleno do Evangelho e a doutrina da Igreja, devem ajudá-los também a assumir a lógica da compaixão pelas pessoas frágeis e evitar perseguições ou juizos demasiado duros e impacientes".
O capítulo final é sobre a espiritualidade conjugal e familiar. Ele insiste que o Senhor habita na família real e concreta, "com todos os seus sofrimentos, lutas, alegrias e propósitos diários". Viver uma vida de amor em tal família é um meio de aprofundamento da união com Deus. "A espiritualidade encarnase na comunhão familiar". Eis um documento papal que vale a pena tirar um tempo ler e ser objeto de reflexão. Há partes maçantes; há partes que inspiram e deleitam; há partes que trarão esperança; e há partes que irão enfurecer. Se esta exortação apostólica trouxer o debate sobre a família feito às paróquias e famílias, então ele terá tido sucesso.
A Exortação Apostólica Amoris Leetiti« pode ser lida na íntegra em www.vatican.va
Fonte: Informativo Comunicando - Paróquia Nossa Senhora das Neves - Presidente Kennedy